O mundo todo observa os ataques russos à Ucrânia e não se preocupe você que não haverá aqui qualquer análise geopolítica sobre os avanços da OTAN nos anos 90 ou sobre os avanços de Putin sobre a Crimeia e toda parte política do conflito. Longe de mim entrar nesse vespeiro.
Mas quando se fala em guerra no século XXI, logo chegam uns metidos a vomitar verbetes compostos como “guerra híbrida” e coisas do tipo. E aí não tem como, a gente se lembra logo que comunicação é parte da guerra. Sobretudo quando a gente tem uma imprensa chegada num maniqueísmo tosco, simplificador, que trata o leitor como… Enfim, não é um texto rancoroso este, vamos logo ao assunto.
Guerras anteriores usaram rádios transmissores, código morse e linguagem cifrada. Os nazistas inventaram (ou ao menos aperfeiçoaram) uma máquina de criptografia que foi apelidada de Enigma. E foi graças à luta contra os nazistas que um jovem homossexual inglês inventou uma máquina capaz de romper essa criptografia. Acabou, por fim, inventando os primórdios do que nós conhecemos hoje como computador. Suicidou-se o jovem Alan Turing, por cianureto. Aparentemente vencer os nazistas e inventar algo tão genial quanto um computador não valem muita coisa se você não é hétero.
Hoje o mundo mudou, é claro.
E narrativas passaram a ser importantes. Não se pode mais invadir um país só porque o petróleo ali é valioso, é preciso criar um contexto, umas armas químicas quaisquer. No caso específico de Putin, a culpa foi posta no nazismo (e na OTAN). Quem usa a internet a mais tempo se lembrará da lei de Godwin e talvez veja a ironia da coisa.
O fato é que temos hoje, em pleno domingo de carnaval, notícias dizendo que a Rússia ganhou a guerra e notícias dizendo que a Ucrânia resiste bravamente e que em algumas cidades os russos já estão se rendendo. E tudo isso chegando via… internet. E a internet, como se sabe, deveria ser neutra, mas está longe de ser.
Os brasileiros, claro, sabem disso melhor que muitos por aí, basta sair de um grande centro para ser teletransportado aos anos 90 e se sentir navegando no WAP (se você é jovem saiba que era uma espécie de 3g piorado que no começo de tudo era incrível). Mas talvez não se recordem que há pouco tempo descobrimos que estávamos sendo espionados.
Brasil, Alemanha e outros tantos países foram alvos da tal NSA (uma espécie de KGB americana). E qual o método para isso? Acoplaram nos cabos submarinos umas engenhocas capazes de ler os dados antes que eles chegassem ao seu destino. Parece complexo, mas a imagem mental pode ser bem simples. É como se você tivesse 2 copos ligados por um fio e tentasse se comunicar por eles. Mas no meio do fio uma engenhoca qualquer gravasse a conversa.

E tudo bem que era a Dilma, mas ninguém levou muito a sério quando o governo anunciou a intenção de passar cabos novos para a Europa, afim de evitar as engenhocas (as americanas, ao menos).
Hoje não temos mais a Dilma, para alívio de alguns. Mas temos tido frequentemente notícias sobre invasões em sistemas do governo, ataques em sites de compras e vazamentos de dados confidenciais. Ok, a segurança nunca foi nosso forte (desculpe o trocadilho) mesmo.
Mas já que estamos observando uma guerra longe o suficiente para não nos preocuparmos com ela tanto assim, talvez fosse bom observar o que vem acontecendo com a internet naqueles lados do mundo. Não foram só tanques e caças e mísseis que invadiram a Ucrânia.
Na verdade alguns dias antes dos ataques ‘tradicionais’ sites do governo Ucraniano foram infectados com vírus, dizem, vindos da Rússia. Na verdade desde 2014 a Rússia e a Ucrânia disputam terreno numa guerra digital. Um dia antes da invasão russa (ou seja no 23 de fevereiro, meu aniversário. E não há nenhuma relação entre meu inferno astral e o da Ucrânia, até onde se sabe) um vírus apagava dados do governo ucraniano. Enquanto isso a entidade “Anonymous” afirma um contra-ataque mirando sites e sistemas russos, com sucesso discutível, para dizer o mínimo.
Há dois tipos de militares em países desenvolvidos: os tradicionais e os digitais.
E já que estamos falando da dinastia Putin, uma lei muito interessante foi criada por lá (e tratada como censura por cá, porque nossa imprensa…) e apelidada de “lei de desembarque”. Basicamente uma lei que obriga empresas estrangeiras a obedecerem a lei local. E por quê?
Muitas empresas de tecnologia atuam em países nos quais não possuem qualquer ligação. O telegram talvez seja o exemplo mais bem acabado (por sinal, russo, veja que ironia). Ele é sediado em Dubai. Mas com a internet é capaz de agir em qualquer lugar do mundo. Sem ter um CNPJ aqui no Brasil, por exemplo, ele tem um histórico longo de ignorar sentenças desfavoráveis. A ponto do Tribunal Superior Eleitoral dar um ultimato afirmando recentemente que ou o Telegram passa a obedecer as decisões judiciais brasileiras ou teria de ser banido no Brasil.
Pode parecer paranoia petista/bolsonarista mas o fato de não obedecer as leis pode tornar impossível fechar um grupo de venda de pornografia infantil no aplicativo, por exemplo. O fato vai além, portanto, de meras reticências eleitorais.
Enquanto aquele lado do planeta faz guerra com armas e linguagem de programação, nós aqui usamos a Lei Geral de Proteção de Dados como desculpa para suprimir o acesso a dados de diferentes governos num duplo twist carpado jurídico que só Macunaíma poderia prever.
Ainda bem que somos uma democracia pacifista.
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